Esse é o último texto da série que fiz sobre possíveis causas para a procrastinação (aqui está o texto introdutório para a série).
A procrastinação ocorre quando deixamos para depois algo que deveríamos ou gostaríamos de fazer agora. Ela pode trazer consequências negativas para a nossa vida, além dos sentimentos de frustração, culpa e vergonha.
É comum procrastinarmos tarefas ou atividades, mas muitas vezes deixamos para depois mudanças importantes que gostaríamos de fazer em nosso comportamento. Gostaria de iniciar uma dieta, de parar de fumar, de ser menos sedentário, de criar uma rotina de estudos, mas amanhã eu começo...
Aquela velha história de deixar o regime para a segunda-feira ou a academia para quando tiver mais tempo, também é um tipo de procrastinação, que aliás, pode vir acompanhada de uma autocrítica impiedosa.
“Por que eu sou assim? Será que quero mesmo mudar? Sou um fracasso! Não sou confiável! Não posso confiar em mim mesmo para mudar um comportamento que me incomoda”.
Muitas vezes, a crítica das outras pessoas também pode ser feroz: “Se você quisesse mesmo, se dedicaria! Isso é falta de vergonha na cara! Você não tem força de vontade!”.
Esse tipo de procrastinação traz tanto sofrimento e é uma queixa tão comum no meu consultório que decidi fazer um texto falando especificamente sobre ela.
É possível querer mudar e não se sentir pronto para agir?
Dois pesquisadores, James Prochaska e Carlo DiClemente*, propuseram uma teoria muito interessante sobre a prontidão para a mudança, que pode nos ajudar a compreender a procrastinação nesse contexto.
De acordo com essa teoria, há 5 estágios para a mudança de um comportamento, chamados de: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção.
A pré-contemplação seria um estágio, no qual a pessoa ainda não contempla uma mudança de comportamento. Ela não está propriamente procrastinando, pois não tem a intenção de começar essa mudança num futuro próximo.
Isso pode ocorrer porque ela não encara seu comportamento como um problema ainda ou por fazer previsões muito pessimistas quanto à possibilidade de muda-lo (“não há nada que eu possa fazer para mudar”, “nunca vou conseguir”, “não adianta nem tentar”, “já tentei antes e sei que não sou capaz”).
Na contemplação, a pessoa considera a possibilidade de uma mudança comportamental, mas não demonstra um comprometimento decisivo com a ação. Esse é o estágio mais propício para a procrastinação!
O indivíduo reconhece o comportamento problema, identifica a solução, mas encontra muitas barreiras para iniciar a mudança. A palavra de ordem aqui é a AMBIVALÊNCIA, a pessoa sabe que terá benefícios se começar a agir, mas tende a focar nos prejuízos que poderá encontrar no meio do caminho ("seria bom mudar, mas vai ser muito difícil", "eu deveria mudar, mas vou sofrer") e a criar desculpas e justificativas para a inação (“não tenho tempo”, “vai sair caro”, “preciso comprar um tênis antes”).
Na preparação, a pessoa se apronta para iniciar a mudança de comportamento. Nesse estágio, ela está convencida de que os benefícios da mudança serão maiores que qualquer prejuízo, o que a permite traçar um plano de ação e começar a tomar medidas que ampliam as chances de agir e minimizam as barreiras identificadas anteriormente (por exemplo, abre um horário na agenda para ir à academia ou para comprar e preparar alimentos saudáveis).
No estágio da ação, a pessoa inicia a mudança do comportamento. Nesse momento a procrastinação é substituída pela ação compromissada! Há muito para se comemorar quando atingimos esse estágio, mas não podemos esquecer da etapa mais importante, a manutenção.
Na manutenção, a mudança de comportamento foi iniciada, mas o objetivo é mantê-la ao longo do tempo. Os ganhos e benefícios da ação estão mais consolidados, mas a pessoa deve lidar com possíveis recaídas.
Mudar e manter uma mudança de comportamento dá trabalho e despende esforço. Como falei num texto anterior (aqui), nossa mente tende a entrar no modo de economia de energia e privilegiar o prazer imediato em detrimento da satisfação à longo prazo, principalmente quando estamos cansados, frustrados ou sobrecarregados.
Portanto, devemos estar alerta para esse fato e dispostos a levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima, se for necessário.
Recapitulando
Voltando à questão que motivou esse texto, é bem comum que uma mudança de comportamento faça todo sentido para nós e, ainda assim, não nos sentirmos preparados ou motivados para agir. Nessa teoria, isso se chama “estágio de contemplação”, que se caracteriza por estarmos ambivalentes sobre nossos desejos e metas.
O antídoto para esse estágio é “inclinar a balança”, diminuindo a ambivalência: traga à consciência os seus motivos para mudar e os riscos de não mudar. Se possível, faça uma lista com todos os benefícios e ganhos que obterá caso mude o comportamento e uma outra lista com todos os prejuízos que terá caso não mude.
Se você identificou que está no estágio da contemplação, é muito importante concentrar esforços em eliminar a ambivalência antes de começar a bolar um plano ou partir direto para a ação. Tentar agir e não conseguir, pode fazer com que você se frustre e acabe desistindo, retrocedendo para o estágio da pré-contemplação.
Acredite, depois que a balança estiver inclinada, será bem mais fácil planejar e agir!
Entretanto, mantenha-se preparado para as possíveis recaídas durante o processo de manutenção..
Esse texto é parte de uma série sobre possíveis causas para a procrastinação. Se quiser ler mais sobre o tema, é só ir clicando aí embaixo nos posts relacionados.
*Referência para o modelo de estágios de mudança para o comportamento citado nesse texto: Prochaska, J. O. & DiClemente, C. (1982). Transtheorical therapy: Toward a more integrative model of change. Psycotherapy: Theory, Research and Practice, 20, 161-173.